domingo, 5 de dezembro de 2010

Vistas de Duarte D'Armas I

Duarte d'Armas, (por vezes referido como Duarte de Armas), nasceu em Lisboa em 1465. Filho de escudeiro Real, tornou-se ele mesmo Escudeiro da Casa Real e foi encarregue pelo rei D. Manuel I de fazer um levantamento de todas as fortificações situadas na raia com Castela (2).

Imagem 1 - Duarte D'Armas em C.B.
Este levantamento foi feito escrupulosamente por volta de 1509-1510, sendo registadas para cada castelo uma ou duas vistas panorâmicas, uma planta e comentários sobre o actual estado. Acrescenta a curiosidade de Duarte d'Armas se ter desenhado a si mesmo em várias vistas panorâmicas (no caso do castelo de Monsanto até se registou duas vezes, uma no sopé e outra a meio caminho) juntamente com o escudeiro que o acompanhou (1).

Estes registos originaram o Livro das Fortalezas (dividido em dois códex), cujo original se encontra hoje na Torre do Tombo. Há ainda cópias da mão do próprio Duarte d'Armas em Espanha, com algumas discrepâncias normais do trabalho manual da época.

Após estas notas vejamos o caso particular de Castelo Branco. Duarte D'Armas deixou-nos duas vistas, uma planta e várias notas sobre a fortificação (1). Deste registo fantástico analisemos as vistas, pois neste apartado há inúmera discussão, relativa ao sítio donde estas foram desenhadas... Qual seria portanto o sítio onde hoje em dia estaria Duarte d'Armas em cada vista?

Vista Tirada da Banda do Sueste 
Assim nomeada no Livro das Fortalezas a vista (na verdade de sul-sudoeste) mostra o castelo de Castelo Branco de perfil, deixando-nos uma visão fantástica da fachada do Palácio dos Comendadores, para além de vários pormenores interessantes de que falarei noutros posts.

Imagem 2 - Castelo Branco, Vista de Banda de Sueste, por Duarte D'Armas

Esta vista hoje em dia seria completamente diferente, pois quase não há cintura exterior de muralhas, as que existem têm a vista bloqueada pelo casario, e os únicos pontos de referência são a Torre dos Templários, a Torre Original (original porque é a única parte do castelo que sobreviveu ao tempo, tudo o resto é reconstrução do séc XX), um pano de muralhas que sobrevive no fim da Rua do Mercado e a Torre do Relógio.

Assumamos ainda que o Duarte d'Armas poderia não desenhar muito bem (possibilidade remota, visto que vários autores contemporâneos até elogiam a qualidade do seu trabalho - vide Post Scriptum), mas que em termos de distâncias relativas era cuidadoso (quem usufruir de uma cópia do Livro das Fortalezas pode comparar as vistas com castelos existentes e ver que existem vistas desproporcionais, mas são - felizmente! - minoria). Era um trabalho pedido pelo rei D. Manuel I, um rei generoso e imensamente respeitado por todo o reino. Como tal pode-se dizer que Duarte d'Armas se esmerou. : ) Portanto analisemos:

Imagem 3 - Fotografia de Castelo Branco desde o Barrocal.

Esta imagem tem os pontos de referência nos sítios correspondentes, é uma pena o casario ocultar a fortificação, mas esta é claramente a direcção da vista de Duarte d'Armas. A fotografia foi tirada do cimo do monte que reina o Barrocal, e parece-me ser ali onde foi desenhada a vista. Não tenho argumentos tão sólidos que não possam ser refutados - há sempre base para a negação de qualquer argumento - mas acredito que Duarte d'Armas ia tentar encontrar um sítio elevado para ter uma melhor visão, uma visão mais global e panorâmica, que lhe permitisse desenhar de forma realista o que via.

Infelizmente o tempo não tem auxiliado a investigação, e sempre que chego ao sítio ou o Sol se esconde ou a hora tardia não permite tirar a fotografia que seria perfeita. Pode-se refutar que as dimensões da fotografia / desenho estão completamente erradas, mas os locais relativos estão correctos. Com algum engenho quase que é possível emendar esses erros.

Imagem 4 - Sobreposição entre a vista de Duarte D'Armas e a cidade actual (11-2010).
Este pode nem ser o local donde Duarte D'Armas desenhou o belíssimo castelo de Castelo Branco, mas a direcção está, muito provavelmente, correcta. Na Imagem 4 é ainda possível deslumbrar a disparidade entre os tamanhos reais e os desenhados, normal para a época. 

Ainda assim note-se que a distância relativa entre pontos está desenhada de forma irrepreensível, como demonstra a Imagem 5, pormenor da Imagem 4.

Imagem 5 - Pormenor da Imagem 4.
Esta imagem mostra o local do pináculo da Capela do Espírito Santo e o desenho da Porta Sudoeste da Vila. É simplesmente impressionante que o sítio coincida com a fotografia, pois demonstra a habilidade do Duarte D'Armas com a pena. Isto porque o pináculo permite-nos ver a direcção em que está a Rua de Santa Maria, e consequentemente a Torre (ainda existente, por detrás do café "O Cais") que guardava a Porta Sudoeste da Vila.  

No próximo post analisaremos a outra vista do castelo, de análise muito mais difícil e algo subjectiva...

Até lá,
Kenny.

Fontes
1 - Armas, Duarte de. Livro das Fortalezas. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Edições INAPA. Lisboa. 1997 (com introdução de Manuel da Silva Castelo Branco).
2 - Nunes, António Lopes Pires. Dicionário de Arquitectura Militar. Caleidoscópio, Casal de Cambra, 2005.

Bibliografia de Imagens
Imagem 1 - vide 1
Imagem 2 - vide 1
Imagem 3 - do autor
Imagem 4 - sobreposição das imagens 2 e 3.
Imagem 5 - vide Imagem 4.

Post Scriptum:
Como nota final deixo aqui um link para uma análise fantástica aos desenhos do Livro das Fortalezas por um expert.
E ainda um link que mostra a excelência do trabalho de Duarte d'Armas, em relação ao castelo de Penamacor: